Quem é a ex-primeira-dama condenada por corrupção que ganhou asilo no Brasil
17/04/2025
(Foto: Reprodução) Nadine Heredia e Ollanta Humala, ex-casal presidencial do Peru, foram condenados por esquema que envolve governo Chávez na Venezuela e a Odebrecht no Brasil Ollanta Humala e Nadine Heredia, ex-casal presidencial do Peru, foram condenados
Getty Images/BBC
A ex-primeira-dama do Peru Nadine Heredia chegou ao Brasil nesta quarta-feira (16), um dia após ser condenada junto ao marido, o ex-presidente Ollanta Humala, por lavagem de dinheiro num processo envolvendo o governo da Venezuela e a construtora brasileira Odebrecht.
Heredia, que acompanhou o julgamento por videoconferência, havia recebido na terça-feira (15) a concessão de asilo diplomático do Brasil e se abrigou na Embaixada brasileira em Lima, logo após a Corte superior do país determinar a sentença de 15 anos de prisão para o antigo casal presidencial.
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Em seguida, a ex-primeira-dama e um de seus filhos obtiveram um salvo-conduto do governo peruano para deixar o país.
Mãe e filho pousaram no aeroporto de Brasília no fim da manhã desta quarta. Segundo seu advogado, ela seguiria para São Paulo.
Já o ex-presidente Ollanta Humala, que esteve presente no tribunal durante o julgamento, foi encaminhado a uma prisão nos arredores de Lima que já abriga outros ex-mandatários do país, como os ex-presidentes Pedro Castillo e Alejandro Toledo.
O Terceiro Tribunal Colegiado do Tribunal Superior Nacional concluiu que Humala e Heredia aceitaram fundos de origem ilícita da Venezuela e da Odebrecht para financiar suas campanhas eleitorais de 2006 e 2011, respectivamente.
A sentença fica aquém da punição solicitada pela Promotoria, que havia pedido 20 anos de prisão para ele e 26 anos e meio para ela - porque Heredia teria tido um papel maior na ocultação dos recursos ilícitos e na lavagem do dinheiro.
Os promotores afirmam que Humala e Nadine receberam US$ 3 milhões em contribuições ilegais da Odebrecht, usados para financiar sua campanha presidencial de 2011.
Eles também são acusados de terem recebido US$ 200 mil do então presidente venezuelano Hugo Chávez, de quem eram próximos, para bancar a campanha de 2006, quando Humala acabou derrotado.
Tanto o ex-presidente quanto a ex-primeira-dama negam qualquer irregularidade e argumentam que houve perseguição política nas investigações no Peru, assim como ocorreu, na visão deles, com a Lava Jato no Brasil.
A decisão foi tomada após um julgamento que se arrastou por mais de três anos e deixou o Peru com mais um ex-presidente condenado por corrupção, uma situação que se tornou comum para os presidentes do país nos últimos anos.
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil reforçou que a situação de Nadine Heredia acontece "nos termos da Convenção de Asilo Diplomático, assinada em Caracas, em 28 de março de 1954, da qual ambos os países são parte".
O acordo foi assinado entre os governos dos Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) e permite a concessão de asilo a perseguidos políticos.
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A influente primeira-dama
Conhecida no Peru por sua influência sobre o marido enquanto ele era presidente (chegou a ser apelidada de "presidenta Nadine"), Heredia, hoje com 48 anos, foi presidente do Partido Nacionalista e embaixadora da Organização para Alimentação e Agricultura (FAO) das Nações Unidas, promovendo a quinoa, alimento bastante apreciado no Peru.
Ela chegou a ser cotada para ser uma possível sucessora do marido à Presidência do Peru.
Na época, Nadine Heredia se defendia dizendo que "ser primeira-dama não é ser uma funcionária pública com funções e atribuições estritamente definidas, o papel tem múltiplos aspectos e algumas esposas de presidentes escolheram ter maior protagonismo e outras, menos. Isso é assim, não só na história do Peru".
Formada em comunicação e pós-graduada em sociologia, ela conheceu Ollanta Humala em Paris, enquanto os dois viviam na França.
O casal era próximo a líderes de esquerda da América Latina, como o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez.
Humala (e Heredia) assumiu o poder sob a constante suspeita de que seu governo enveredaria por um caminho de esquerda chavista (algo que nunca aconteceu, embora eles não tenham conseguido se desvincular totalmente desse rótulo).
A investigação contra Ollanta Humala e Nadine Heredia começou logo após o fim do mandato presidencial dele, em 2016.
De acordo com a promotoria, Heredia desempenhou um papel central na lavagem de dinheiro relacionada às campanhas presidenciais de Humala em 2006 e 2011.
O Judiciário peruano determinou que os líderes do Partido Nacionalista tinham "um modus operandi" para encobrir as contribuições de campanha de Humala, que incluía a inclusão de falsos doadores.
Heredia seria uma das líderes da organização criminosa que utilizou o Partido Nacionalista como instrumento para legitimar recursos ilícitos provenientes do governo da Venezuela e da Odebrecht.
Além disso, Heredia foi acusada de ocultar bens adquiridos com esses fundos ilegais - motivo pelo qual, inicialmente, a promotoria pediu uma pena maior a ela do que ao ex-presidente.
O irmão dela, Ilan Heredia, também foi condenado no esquema.
Heredia chegou a ser presa em julho de 2017, mas foi liberada em abril de 2018.
Nos últimos anos, Heredia pediu algumas vezes autorizações para deixar o Peru por questões de saúde, sem sucesso. Ela dizia que sofre de hiperparatireoidismo primário.
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Ollanta Humala no poder
Humala foi eleito presidente do Peru em 2011, após uma primeira candidatura malsucedida em 2006.
Em 2006, ele concorreu sem sucesso à Presidência com o apoio do falecido líder venezuelano Hugo Chávez. Seu rival na campanha na época, Alan García, acusou-o de querer "transformar o Peru em outra Venezuela".
Ele tentou novamente em 2011, quando derrotou sua rival Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto Fujimori, e foi eleito presidente, após uma campanha mais moderada na qual apresentou o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em vez de Chávez, como seu modelo.
Papel da Venezuela
Humala contou com o apoio de Chávez para sua candidatura em 2006, quando o líder bolivariano estava no auge de seu poder e mantinha uma política externa ativa contra os EUA e impulsionava a ascensão de forças nacionalistas de esquerda em toda a América Latina.
De acordo com a sentença que condenou Humala, esse apoio foi mais do que político e assumiu a forma de contribuições financeiras irregulares para a campanha.
Apesar de a lei peruana proibir contribuições estrangeiras para campanhas presidenciais, o Tribunal constatou que a Venezuela doou fundos para a campanha de Humala em 2006, o que, de acordo com o tribunal, "são fatos típicos e característicos de lavagem de dinheiro" com "origens ilícitas no país da Venezuela".
Durante o anúncio da decisão, o juiz relembrou o depoimento de testemunhas que indicaram durante o julgamento que Nadine Heredia foi à embaixada venezuelana para receber pastas com dinheiro para financiar a campanha eleitoral de 2006.
"Esse dinheiro, de nossa perspectiva probatória, tem uma origem ilícita", disse o juiz.
De acordo com informações publicadas na época, uma empresa venezuelana ligada a Chávez, a Kaysamak C.A., transferiu US$ 87.000 para a comitiva de sua esposa pouco antes do início da campanha de 2006. Esses pagamentos levaram o Ministério Público peruano a abrir uma investigação.
Humala então reconheceu a existência do dinheiro, mas negou que fosse ilegal.
No julgamento, o promotor Germán Juárez disse em seus argumentos finais que "há uma grande quantidade de provas" que estabelecem que o dinheiro veio por meio de malas diplomáticas e da empresa Kaysamak".
"Não se trata de dinheiro que sai do bolso de Hugo Chávez, mas de dinheiro que sai dos cofres do governo venezuelano. Devido à grande quantia, presume-se que se trate de dinheiro ilícito, devido à forma secreta com que foi recebido", disse o promotor.
Uma das testemunhas, Martín Belaunde Lossio, que trabalhou na campanha de Humala, testemunhou que o dinheiro veio do pagamento de propinas por empresários venezuelanos ao governo de Hugo Chávez para obter contratos com a empresa estatal Petróleos de Venezuela SA (PDVSA).
De acordo com o Ministério Público, esse dinheiro foi introduzido no sistema bancário peruano "para cobrir os gastos da campanha eleitoral, como publicidade, ingressos, comícios, etc.".
O tribunal alega ter detectado esforços do casal Humala e de sua comitiva para dar uma aparência de legalidade aos pagamentos da Venezuela que violavam a lei peruana.
Durante o julgamento, 57 testemunhas negaram ter contribuído para as campanhas presidenciais de 2006 e 2011, apesar de estarem listadas como supostos doadores nas contas.
No período que antecedeu as eleições presidenciais de 2011, Chávez fez declarações elogiosas sobre Humala, das quais ele tentou se desvincular.
"Quero ser enfático e claro ao dizer que rejeitamos qualquer apoio de qualquer governo estrangeiro. O problema da campanha nacional no Peru será resolvido pelos peruanos e acho que, nesse caso, os estrangeiros, como se diz no jargão, são da mesma laia", disse ele na época.
Foto de Abril de 2016 mostra Nadine Heredia
Getty Images/BBC
O escândalo da Odebrecht
O escândalo da Odebrecht foi um caso de corrupção em massa que abalou a América Latina e atingiu vários governos da região.
A construtora brasileira estabeleceu uma rede de suborno e financiamento ilegal de campanhas políticas para garantir contratos e obras públicas, às vezes com custos inflacionados.
O escândalo foi descoberto em 2014 no Brasil com a chamada Operação Lava Jato, uma investigação de lavagem de dinheiro envolvendo inicialmente a empresa estatal de petróleo Petrobras, que acabou levando a uma cascata de investigações e revelações em toda a região.
O então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, foi condenado por receber pagamentos da empresa de construção, assim como o ex-vice-presidente do Equador, Jorge Glas. Os processos contra ele foram posteriormente anulados.
No Peru, o ex-presidente Alejandro Toledo foi condenado e permanece preso por receber propinas da construtora em troca de uma concessão de rodovia. Outro ex-presidente, Pedro Pablo Kuczynski, também é acusado de ligação com o esquema da Odebrecht.
De acordo com o tribunal que o condenou, estima-se que Humala tenha recebido financiamento da Odebrecht no valor de cerca de US$ 3 milhões.