Trump prometeu fim da guerra na Ucrânia em 1 dia; entenda por que os bombardeios continuam após 90 dias
18/04/2025
(Foto: Reprodução) Antes de assumir o mandato, presidente dos EUA prometeu acabar com a guerra em apenas um dia. Apesar de negociações terem começado, bombardeios continuam. Câmera de carro mostra momento exato de ataque russo a Samy, na Ucrânia
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu diversas vezes que era capaz de acabar com a guerra entre Rússia e Ucrânia em apenas um dia assim que assumisse o governo. Entretanto, mesmo após quase 90 dias no cargo, o conflito continua com bombardeios, ameaças e acusações.
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▶️ Contexto: A guerra na Ucrânia completou três anos em fevereiro. Antes, o governo ucraniano tinha os Estados Unidos como aliados de primeira hora. No entanto, com a chegada de Trump à Casa Branca, os americanos passaram a se aproximar da Rússia.
Se antes os EUA adotavam uma política para isolar a Rússia do restante do mundo, com o objetivo de pressionar pelo fim da guerra, agora Trump tem conversado com o presidente Vladimir Putin e outras autoridades russas.
Enquanto isso, a Ucrânia tem sido alvo de críticas por parte de Trump, que chegou a chamar o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de ditador e ingrato.
Ao fundo da disputa está o interesse dos Estados Unidos nas terras raras da Ucrânia. Trump quer dominar a extração de minérios no território como forma de "recuperar" a ajuda que os EUA forneceram ao país.
❌ Negociações lentas: Trump vinha afirmando que os Estados Unidos vão conseguir interromper a guerra ao negociar com a Rússia e a Ucrânia. Até agora, os americanos conversaram separadamente com autoridades dos dois países. Mas nada de concreto aconteceu, e o tom do presidente foi ficando cada vez menos categórico.
No dia 11 de março, a Ucrânia disse ter concordado com a proposta de cessar-fogo de 30 dias apresentada pelos Estados Unidos. Por outro lado, a Rússia impôs novas exigências.
Ainda em março, um acordo para interromper ataques contra estruturas energéticas dos dois países e no Mar Negro chegou a ser anunciado, mas teve pouco efeito prático.
Trump chegou a dizer que a Rússia precisava "se mexer". Dias depois, afirmou que o presidente ucraniano fez um péssimo trabalho para impedir o início da guerra, em 2022.
Diante da lentidão, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, afirmou nesta sexta-feira (18) que Trump abandonará os esforços de intermediação do acordo de paz dentro de alguns dias caso não haja sinais claros de avanço nas negociações.
Neste cenário, trocas de ataques continuam sendo constantes, inclusive em áreas residenciais. Apenas no domingo (13), um ataque da Rússia contra a Ucrânia deixou mais de 30 mortos na cidade de Sumy.
🚩 Exigências difíceis dos dois lados: ao prometer que a guerra acabaria, Trump subestimou divergências entre Rússia e Ucrânia, com exigências das quais não abrem mão. Moscou, por exemplo, quer que Zelensky deixe o poder e o reconhecimento, por parte de Kiev, da anexação dos territórios ocupados — o que a Ucrânia não aceita.
🔎 O g1 ouviu dois especialistas sobre o assunto.
"Na prática, o que a Rússia busca é tempo para reforçar suas posições no campo de batalha, desmoralizar os ucranianos, testar os limites do Ocidente e aprofundar fissuras dentro da aliança transatlântica", afirma Uriã Fancelli, mestre em Relações Internacionais pelas universidades de Estrasburgo e Groningen.
"Trump dizia muitas vezes na campanha que iria acabar com a guerra em 24 horas. E o que a gente está vendo é que não é tão simples assim. Os objetivos da Rússia e da Ucrânia nessa guerra são incompatíveis", diz Maurício Santoro, doutor em Ciência Política pelo IUPERJ e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil.
Nesta reportagem você vai ver:
O que Trump prometeu
A influência de Putin
Os desafios para a Ucrânia
1. O que Trump prometeu
Trump durante comício no Michigan em 5 de novembro
Evan Vucci/AP
Mais de um ano antes de ser eleito presidente pela segunda vez, Trump disse que era capaz de encerrar a guerra na Ucrânia em apenas um dia. Em entrevista à rede CNN, afirmou que se sentaria com os governos russo e ucraniano para um acordo.
"Se eu fosse presidente, eu resolveria essa guerra em um dia, em 24 horas. Eu me encontraria com Putin, me encontraria com Zelensky. Ambos têm fraquezas e ambos têm forças", disse.
📌 Afirmações semelhantes foram feitas nos meses seguintes:
Trump disse que sabia o que cada lado queria e afirmou durante a campanha eleitoral que iria acabar com a guerra em 24 horas.
Em julho de 2024, o embaixador da Rússia nas Nações Unidas, Vasily Nebenzya, descartou que Trump resolveria a "crise na Ucrânia" em apenas um dia.
Em março deste ano, o presidente americano foi questionado sobre a promessa. Em entrevista ao programa "Full Measure", ele afirmou que estava sendo "um pouco sarcástico" quando disse que resolveria a guerra em 24 horas.
🔎 Uriã Fancelli afirma que Trump vem adotando uma postura que contradiz a imagem de "grande negociador" que tenta vender. Segundo ele, o presidente americano está cedendo aos interesses russos.
Como exemplo, Fancelli cita a declaração do secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, que descartou a possibilidade de a Ucrânia ingressar na Otan no longo prazo — uma demanda de Moscou.
"Trump, pressionado a cumprir sua promessa de resolver a guerra em 24 horas, busca desesperadamente um acordo rápido para mostrar resultados políticos", afirma.
"O problema é que qualquer acordo acelerado tende a significar uma capitulação, uma concessão feita às pressas, que ignoraria os interesses da Ucrânia e acabaria recompensando o agressor."
🔎 Já Maurício Santoro destaca que o tempo mostrou que a resolução da guerra não seria tão simples quanto Trump defendia.
Santoro diz que os objetivos de Rússia e Ucrânia são incompatíveis e que nenhum dos lados se mostra disposto a ceder.
"A Ucrânia quer o território que perdeu desde o início da guerra, e Putin também quer manter aquilo que conquistou. Então, por onde se vai fazer algum tipo de concessão?", questiona.
"Curiosamente, a Rússia foi um dos poucos países a ter ficado fora do tarifaço. Trump poderia muito bem ter utilizado um aumento de tarifas para pressionar a Rússia a fazer algum tipo de concessão, mas ele optou por não fazer isso."
2. A influência de Putin
Putin disse que apoia ideia de um cessar-fogo com a Ucrânia, mas quer discutir condições
Maxim Shemetov/Reuters
Trump tem adotado posturas diferentes em relação a Putin e Zelensky. Enquanto o líder russo é elogiado e tratado como confiável, o presidente ucraniano é chamado de "ingrato" e "ditador".
📞 Putin e Trump conversaram por telefone nos últimos meses. Em fevereiro, após uma dessas chamadas, o presidente americano disse que o presidente russo queria a paz e defendeu o retorno da Rússia ao G7.
Não é de agora que Trump vê Putin com bons olhos. Antes de ser eleito presidente, em 2015, Trump declarou que o russo era um "líder forte", a quem admirava.
Já em 2022, afirmou que Putin tinha feito um "movimento genial" ao reconhecer a independência de territórios ucranianos invadidos durante a guerra. Disse ainda que o presidente russo atuava como pacificador.
Em março deste ano, ele elogiou novamente Putin após uma conversa por telefone.
Trump até elevou o tom contra a Rússia em alguns momentos, como ao ameaçar sanções caso um acordo não fosse fechado. Mas, até agora, tudo ficou na narrativa.
🔥 Em relação à Ucrânia, Trump tem adotado uma política de pressão. Ele condicionou a manutenção da ajuda americana a um acordo para a exploração de minérios e chegou a culpar Zelensky pela guerra.
O ápice da crise foi no dia 28 de fevereiro, quando Trump recebeu Zelensky na Casa Branca. Os dois bateram boca diante de jornalistas.
"Você tem que ser grato. Você não tem as cartas. Você está encurralado aí. Seu povo está morrendo. Você está ficando sem soldados", disse Trump.
"Seu povo é muito corajoso. Mas ou vocês fazem um acordo, ou estamos fora. E, se estivermos fora, vocês vão ter de lutar."
Nesta semana, Trump usou uma rede social para afirmar que Zelensky fez um péssimo trabalho ao "permitir" o início da guerra — embora a Ucrânia tenha sido invadida pela Rússia em fevereiro de 2022.
🔎 Para Uriã Fancelli, a Rússia tenta seduzir Trump com a ideia de que ele está prestes a fechar um acordo histórico que poderá exibir aos seus apoiadores.
Segundo ele, as exigências feitas por Moscou são maximalistas, e Trump tem devolvido à Rússia parte do capital geopolítico que havia sido desmontado por Europa e EUA nos últimos três anos.
"Putin, já ciente do perfil de Donald Trump, tenta manipulá-lo combinando elogios calculados, promessas vagas e uma narrativa feita sob medida para o imenso ego de Trump: a de que ele seria o único capaz de alcançar a grande paz", afirma.
"A estratégia é bastante clara. Putin elogia Trump, chama-o de estadista, encena trocas de prisioneiros como se fossem concessões inéditas, quando, na verdade, já ocorrem há anos. Tudo para alimentar a vaidade de um líder americano ávido por manchetes e prestígio."
🔎 Maurício Santoro diz que Trump tem mais dificuldade para lidar com Zelensky. Ele lembra que, no primeiro mandato, a Ucrânia foi o centro de denúncias que resultaram em um pedido de impeachment contra Trump.
Santoro explica que, por ser um país democrático, a Ucrânia enfrenta maior pressão de sua população, o que dificulta concessões em negociações. Já na Rússia, por se tratar de um regime autoritário, um acordo poderia ser fechado com mais facilidade.
"Acho que o cenário ideal para Trump seria onde ele fizesse esse tipo de acordo de barganha diretamente com governantes autoritários", analisa.
"Na cabeça do Trump, o Putin é alguém com quem ele pode e quer fazer negócios."
3. Os desafios para a Ucrânia
Trump e Zelensky batem boca na Casa Branca
Brian Snyder/Reuters
Os Estados Unidos realizaram encontros com delegações da Ucrânia e da Rússia para tentar costurar uma trégua no conflito. Em março, o governo ucraniano anunciou que havia aceitado uma proposta de cessar-fogo imediato de 30 dias. No entanto, a Rússia fez mais exigências.
Ainda em março, os EUA afirmaram que haviam conseguido fazer com que as partes interrompessem as agressões contra infraestruturas energéticas. Apesar disso, Ucrânia e Rússia se acusaram mutuamente de violar o tratado.
Também houve o anúncio de um acordo sobre o fim das hostilidades no Mar Negro. A Rússia, no entanto, afirmou que os ataques só seriam interrompidos se houvesse a reintegração de alguns bancos russos ao sistema financeiro internacional.
💥 Em meio às conversas, a Ucrânia continua sendo bombardeada. Ataques russos nas últimas semanas atingiram áreas civis e provocaram dezenas de mortes. Em um dos casos, o país inteiro ficou sob alerta, e até a Polônia chegou a levantar aviões para proteger seu próprio espaço aéreo.
No dia 4 de abril, um ataque com míssil russo matou pelo menos 18 pessoas, incluindo seis crianças, em uma área residencial em Kryvyi Rih. A cidade ucraniana é onde o presidente Zelensky nasceu.
No domingo (13), a Rússia disparou dois mísseis contra a cidade ucraniana de Sumy. Pelo menos 34 pessoas morreram e 84 ficaram feridas.
A Ucrânia também tem lançado drones contra a Rússia, mas os ataques costumam ter um potencial destrutivo limitado. Um bombardeio contra a cidade russa de Kursk, na segunda-feira (14), atingiu uma área residencial. Uma idosa morreu e outras nove pessoas ficaram feridas.
🫨 De maneira geral, a Ucrânia se encontra em um momento delicado para as negociações. Entre os principais entraves está a exigência de ceder territórios à Rússia, algo que considera inaceitável.
Ao mesmo tempo, Zelensky insinua que os EUA têm adotado um posicionamento que beneficia os russos.
Embora ainda tenha o apoio da Europa, os americanos estavam entre os pilares da resistência ucraniana no conflito.
🔎 Segundo Maurício Santoro, o impasse nas negociações reflete demandas antigas da Rússia, como a posse de territórios disputados há décadas e uma mudança de governo na Ucrânia.
Santoro destaca que essas exigências colidem com a Constituição ucraniana, o que torna difícil qualquer avanço.
"Ele [Putin] quer uma mudança de governo em Kiev. Quer um governo que seja pró-russo e que assuma um compromisso de que não vai ingressar na Otan e na União Europeia", diz.
"O que está em jogo é a própria sobrevivência da Ucrânia como um estado independente. Quer dizer, não seria simplesmente ceder esses territórios e tudo ficaria bem com a Rússia. Os russos continuariam a pressionar."
🔎 Para Uriã Fancelli, as negociações que estão em andamento têm servido como cortina de fumaça para as exigências da Rússia.
Segundo ele, os russos têm apostado em uma tática de negociar enquanto avançam pelo território do inimigo. Ou seja, para Fancelli, a Rússia usa a diplomacia como instrumento de guerra, não de paz.
"Na prática, o que a Rússia busca é tempo, para reforçar suas posições no campo de batalha, desmoralizar os ucranianos, testar os limites do Ocidente e aprofundar fissuras dentro da Otan", diz.
"É impossível prever com precisão o futuro da Ucrânia neste momento. Tudo dependerá, em grande parte, da postura que os países europeus irão adotar, não apenas em relação à guerra, mas também à sua própria segurança coletiva."
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